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terça-feira, 29 de maio de 2012

NÃO RECONHEÇO A IGREJA


Aceito Jesus Mas Não Reconheço a Igreja!

EVANGÉLICO (Rio Preto) pergunta: «A Igreja parece constituir um intermediário supérfluo entre Cristo e os cristãos. Aceito perfeitamente o que Cristo disse e mandou, mas não reconheço o que a Igreja manda!»

A esta dificuldade, muito comum em nossos dias, poder-se-ia responder considerando um por um os diversos pronunciamentos da Igreja através da história, a fim de mostrar que são aceitáveis para quem os examine sem preconceitos.

Todavia, seguindo esse método, embora conseguíssemos o nosso intento em cada caso, procederíamos quase sem fim...; a experiência ensina que renascem continuamente as mesmas dúvidas, com modalidades diferentes, no espírito dos homens. Na verdade, tal método não tocaria a raiz das dificuldades ; estas só se podem resolver cabalmente mediante a revisão de certas noções básicas. Sendo assim, procuraremos esclarecer as dúvidas, propondo abaixo duas concepções do Cristianismo, das quais uma é autêntica, a outra é errônea e fonte de dificuldades

Fonte: PERGUNTE E RESPONDEREMOS
Autor: Dom Estêvão Bettencourt (OSB)



As duas concepções se baseiam no fato de que Cristo, como Mestre Divino, apareceu outrora sobre a terra, deixando aos homens o convite para O seguirem numa vida nova. Este fato é geralmente aceito mesmo pelos que afirmam não aceitar a Igreja. Há, porém, duas maneiras de conceber a presença ou a passagem de Cristo sobre a terra...

1. As ondas concêntricas e a presença ontológica

Alguns compararão a vinda do Salvador ao mundo à de um seixo atirado na água. O pedregulho, visível a princípio, se torna invisível, porque se mergulha no seio da água. Contudo; ao desaparecer, ele desencadeia um movimento de ondas concêntricas, que se vão propagando através do espaço e do tempo ; essas ondas vão atingir os mais diversos e remotos objetos, pondo-os em contato com o próprio seixo, pois por elas passa o dinamismo do pedregulho; mediante essas ondas, estabelece-se continuidade entre um acontecimento capital verificado no passado e seres ou acontecimentos existentes no presente; por elas o feito primordial se prolonga.



De modo análogo se há de conceber a vinda do Filho de Deus ao mundo. Subtraiu-nos a sua presença visível, mas prolonga a ação de sua humanidade através dos séculos ; entre a carne de Cristo e a carne de cada cristão contemporâneo há continuidade ininterrupta de vida através de 55 gerações (continuidade que o movimento dos círculos concêntricos ilustra bem). 




Diz-se, por conseguinte, que Cristo está presente a cada geração de cristãos por uma presença ontológica, isto é, por uma presença objetiva, real, não apenas pela recordação ou pelas idéias que os homens possam ter a respeito d'Ele. 


Em consequência, a sociedade que se deriva do Cristo, através dos Apóstolos e dos sucessores dos Apóstolos sem ruptura até hoje, não é senão a continuação do Cristo ou o Cristo prolongado; nela, e somente nela, se vai encontrar o Senhor Jesus ontologicamente presente, isto é, presente não só porque é evocado, mas presente porque a sua vida está encerrada nessa sociedade.

Fora desta, não se encontra o Cristo vivo, mas um Cristo que é ideia ou doutrina apenas. É isto o que São Paulo quer dizer quando ensina que a Igreja é o Corpo de Cristo (cf. Col 1,24) ou que Ela é a plenitude do Cristo (cf. Ef 1,22s). É plenitude... não por acrescentar algo aos méritos do Senhor, mas por constituir o ambiente homogêneo em que Este propaga a sua ação através dos séculos.

Tal é a concepção católica da vinda e da presença do Cristo na terra. Em consequência, para o católico a via para encontrar o Cristo é a Igreja ; mais precisamente ainda... é o ambiente criado pelo último círculo concêntrico de vida que, irradiando-se a partir do Cristo, atinge a geração presente. É nesse ambiente que o homem sequioso do Divino Mestre tem que entrar; aí será afetado pela vida do Senhor, lerá e ouvirá a Palavra do Salvador comunicada por órgãos fidedignos (fidedignos, porque por eles é Jesus mesmo quem prolonga seu magistério e seu sacerdócio).

À luz desta concepção, vê-se que não tem cabimento a expressão : «Aceito o Cristo e seus ensinamentos, não, porém, a Igreja». — Como saberia eu quais são os ensinamentos de Cristo senão através desse órgão vivo do Cristo que é a Igreja? A doutrina de Jesus (como, aliás, o próprio Jesus) não é mera palavra encerrada em código, mas é vida, e só se pode apreender numa comunidade viva, na família dos discípulos do Senhor. Ninguém entenderá o Cristo senão dentro da Igreja, porque não há outro meio de contato de Jesus conosco senão o dos círculos concêntricos.

Resumindo, diremos que a concepção católica acima exposta se formula no axioma: «Onde está a Igreja, aí está o Cristo». O que quer dizer: quem procura o Salvador, terá primeiramente que indagar, entre as múltiplas sociedades que hoje em dia professam o Cristo, onde está aquela que ininterruptamente prolonga o Senhor até hoje ; dentro desta, e somente pelo magistério desta, é que encontrará a face autêntica de Jesus.

2. O aerólito que se inflama e só sobrevive na recordação dos homens

Ainda há outro modo de se conceber a vinda e a presença de Cristo na terra: são comparadas ao bólido que em dado momento se manifesta incandescente no céu, mas depois desaparece, deixando aos seus observadores apenas a recordação (uma imagem na memória, um conceito na inteligência) da sua passagem.

Análoga seria a presença de Cristo entre nós hoje: presença por meio de símbolos que seriam meras alusões, destituídas de conteúdo, presença de puro memorial ou mnemônica.

Que há de fazer quem, abraçando esta concepção, queira encontrar o Senhor Jesus?

Auscultará os sinais da passagem do Cristo na terra, principalmente os livros que d'Ele falam ; aplicará a esses sinais e textos os critérios humanos de interpretação, muitas vezes critérios subjetivos, inspirados pela veia «mística» do leitor. Mediante esses critérios, o estudioso julga poder concluir que o Cristo deve ter sido tal, e deve ter ensinado tais e tais doutrinas ... Nenhum magistério transcendente, nenhuma autoridade divina o guiam nessa interpretação.

De posse de tal conclusão, o leitor olha para as diversas sociedades que hoje em dia professam o Cristo (catolicismo, as múltiplas denominações e seitas protestantes, o cisma oriental) e compara-as com a ideia subjetiva que ele tem do Cristo. E diz por fim: «Tal é a Igreja que eu escolho; será minha Igreja, porque me parece corresponder ao ideal do Cristo» ; ou talvez: «Nenhuma é minha Igreja; o ensinamento do Cristo foi deturpado por todas as sociedades cristãs hoje existentes; o Cristo, eu O entendo, ao passo que nenhuma das instituições cristãs O entende».

Para quem assim pensa, «Igreja» é algo de relativo e contingente; é tentativa humana, mais ou menos bem sucedida, de realizar os ensinamentos de Cristo; e, como toda tentativa humana, é criticável, até mesmo dispensável.

Brevemente, esta posição se resume na fórmula: «Onde está Cristo, aí está a Igreja». Fórmula que quer dizer : «onde julgo encontrar o Cristo, cujos traços concebi em minhas leituras e meditações, aí deve estar também a Igreja (=a sociedade humana que mais se aproxima do Cristo)».

Tal é a concepção de Cristo e de Igreja que caracteriza principalmente as confissões protestantes. Deduzindo as últimas consequências destas ideias, várias dessas confissões em nossos dias professam um Cristianismo tão depauperado que o reduzem a uma «manifestação inefável de Deus em Cristo» ; tudo que seja capaz de transmitir esse fato «inefável» (escritos do Novo Testamento, documentos da tradição) vem a ser julgado digno de respeito, mas de modo nenhum inerrante.

Karl Barth, um dos mais famosos teólogos protestantes da atualidade exprime muito bem essa posição, dizendo que a Bíblia não é em si mesma a Palavra de Deus, mas o testemunho humano e falível dos acontecimentos pelos quais Deus interveio e falou ; ela vem a ser por conseguinte, o órgão mediante o qual se pode crer, com a máxima probabilidade, que Deus nos fala «agora e aqui».

Esse modo de considerar o Cristianismo leva ainda a concluir que entre o Cristo e o cristão de hoje está interrompido todo contato na linha horizontal dos séculos ou através da tradição histórica (na linha dos círculos concêntricos). As diversas denominações protestantes reconhecem esta conclusão. Procuram justificá-la, afirmando que basta o contato com Cristo na linha vertical, pois, dizia o Mestre, «onde dois ou três estejam reunidos em nome de Cristo, aí está Ele» (cf. Mt 18,20) ; baseando-se neste texto, julgam poder recomeçar o Cristianismo no séc. XVI, no séc. XVII, no séc. XX, independentemente de toda a tradição anterior...

Falaz esperança, desmentida pelos seus próprios frutos : centenas e centenas de denominações cristãs originaram-se assim, independentes umas das outras, atestando, por suas contradições, serem obras meramente humanas. Em conclusão: se não se guarda o contato com o Senhor Jesus na linha horizontal, por meio da tradição histórica ininterrupta (segundo a imagem dos círculos concêntricos), pode-se ter certeza de que se perde por completo a verdade do Cristo, na qual está a Vida.

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